Quanto vale a arte contemporânea?

O crescente interesse pela arte contemporânea pode ser mensurado pelas vendas do mercado internacional nos últimos anos, e chama a atenção diante da crise econômica mundial. De acordo com o relatório publicado pela European Fine Art Foundation em 2013, 43% das transações globais de obras feitas em leilões são de arte contemporânea, seguidas por 30% de vendas de arte moderna. A pesquisa da Tefaf destaca que o aumento da riqueza per capita e, em especial, do número de HNWIs (high-net-worth individual – indivíduos com investimentos financeiros superior a 1 milhão de dólares) levou ao maior consumo de bens de luxo, incluindo a arte.

O relatório de 2013 destacou os mercados emergentes e mostrou que o Brasil ainda engatinha no quesito “mercado de arte”, se comparado ao “bric” chinês. Na China, o mercado movimenta 70% das transações em leilões, enquanto que aqui as casas de leilão representam apenas 30% das vendas. A liquidez do mercado chinês é bem maior – obras chegam a circular 4 vezes no mercado em menos de 10 anos.

Ora, o que é o leilão se não a representação per se do mercado no seu atual estágio, movido pela lógica do capital financeiro. A sequência de lances anunciada pelo leiloeiro no pregão é o fascínio do jogo especulativo, e pode atingir preços nunca antes imaginados. O elemento “agora ou nunca” alimenta ainda mais a disputa. Don Thompson analisou diversas estratégias para valorizar as obras nos leilões, publicadas no livro O Tubarão de 12 Milhões de Dólares. Uma delas é a “proteção de estoque”, por meio da qual colecionadores e marchands valorizam suas mercadorias dando altos lances sobre suas próprias obras.

Diante do fascínio do jogo dos pregões e do aporte financeiro das casas leiloeiras, as feiras internacionais se mostraram uma ótima vantagem competitiva para os galeristas. Elas são capazes de atrair um grande número de colecionadores em um único local – arranjo eficiente se lembrarmos que o grande alvo dos negócios são os milionários, que apesar de muito dinheiro, dispõem de pouco tempo. Nos últimos anos, as feiras tornaram-se um dos modos mais eficazes de aumentar as vendas das galerias – passaram de 55, em 2001, para 205 feiras, em 2008. No Brasil, as feiras somaram 40% das vendas das galerias nacionais em 2013.

De modo geral, o incremento das vendas nas feiras representa uma mudança cultural na compra de arte, pois substitui as compras individualizadas – espacial e temporalmente – nas galerias pelo frenesis do vai-e-vem do público no evento. Além da praticidade, pela concentração de lojas em um único local, a feira significa um alto grau de conforto em termos de risco, uma vez que a quantidade de pessoas e de etiquetas “vendido” diminuem as incertezas do comprador.

Comprar em leilões e feiras parece ter se tornado um hábito para investidores, enquanto que as vendas em galerias ficaram restritas aos amantes da arte. Tal comportamento aparece no depoimento de João Carlos de Figueiredo Ferraz, publicado no livro O Valor da arte: Ferraz diz preferir ver exposições nas galerias e se deixar “enamorar” por uma obra até decidir adquiri-la. Para ele, sua coleção tem “um valor cultural, é um patrimônio da humanidade”.

No Brasil, a pesquisa Latitudes 2014 revela que o percentual de artistas que entraram pela primeira vez no mercado em 2013 aumentou em relação ao ano anterior, e o número de galerias absorvidas pelo circuito de arte subiu de 2 novas galerias na década de 1970 para 15, em 2010.

A “evolução” do mercado de arte no país equivale à profissionalização do meio, a partir dos anos 1970, e se desenvolve pari passu com as mudanças econômicas na geografia mundial do capital. Segundo Harvey, nas últimas décadas o excedente do capital industrial não é mais reinvestido nas empresas, mas no mercado de ativos, que oferece maiores lucros e mais rápido.

A economia global nos ensina que o crescente mercado de arte não se deu necessariamente pelo aumento do gosto pela arte – nem por parte dos colecionadores, nem pelos galeristas (lembrando que um contingente significativo de novos dealers vieram do mercado financeiro), mas pelos altos lucros a curto prazo. O exemplo maior é o fenômeno “Milhazes”, que teve uma obra vendida em 2001 e leiloada em 2008 cuja valorização alcançou 6 mil %.

Como bem durável, diferentemente de outras commodities, quem investe em arte não corre o risco de ter seu patrimônio desvalorizado. A arte tem se mostrado uma mercadoria altamente rentável, tal como o seu par no mercado imobiliário no país. Por sua alta liquidez, ela passa a circular dentro da lógica do mercado de ações, cujos mecanismos são regulados pela lei de oferta e procura.

Apesar dos colecionadores particulares representarem 85% das aquisições em 2013, a participação de instituições museológicas é fundamental para atribuir valor à obra. De acordo com Ana Letícia Fialho, os processos de formação do valor de uma obra envolvem pelo menos quatro instâncias: produção, reflexão crítica, institucional e mercado. A proporção entre elas varia: em sistemas consolidados, há um equilíbrio entre elas; em sistemas menos consolidados, há uma desproporção entre as partes, e muitas vezes, o mercado assume função preponderante na definição do valor frente à fragilidade institucional.

Nesse sentido, o Brasil vive uma situação paradoxal: ao mesmo tempo que o mercado de arte se mostra vigorosamente em expansão, alicerçado sobre uma produção profícua que se internacionaliza cada vez mais, as instituições em geral se mostram frágeis, com poucos recursos humanos e escassos aportes financeiros, mostrando-se pouco capazes de fomentar, exibir, refletir e sobretudo colecionar a produção contemporânea.

Do ponto de vista do mercado, as escalas de precificação e valorização da arte contemporânea se faz em graus crescentes – do artista à galeria, da galeria à feira, da feira ao leilão. Quanto mais o objeto de arte circula de volta ao mercado, mais se requer conhecimentos e estratégias muito próximas à economia do mercado de ativos – taxas de juros, bolhas especulativas e assim por diante.

De outro lado do circuito, o artista, o crítico, o curador, o historiador, a instituição, o museu, colaboram de maneira direta e primordial para o incremento dos valores negociados. Tal como enuncia Fialho, “Antes de mais nada, é o capital simbólico acumulado pelo artista que sustenta e alavanca o preço no mercado”.

No Brasil, a explosão do mercado de arte dos últimos anos não tem sido acompanhada de um fortalecimento da esfera institucional, nem tampouco da crítica. Sob a égide do capitalismo financeiro, resta saber se a construção do pensamento crítico dentro do circuito das artes visuais é capaz de atribuir o valor simbólico na mesma velocidade que o mercado? Será a arte capaz de persuadir o próprio sistema capitalista de trocas simbólicas e produzir conhecimento dentro dele?

Vale lembrar, para concluir, da obra de Rubens Mano exposta na Galeria Milan em 2011, onde o artista inscreve sobre uma espécie de lápide negra a frase apócrifa “Artista sem galeria é artista morto”.

 

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